quarta-feira, 15 de junho de 2011

Conheci uma cidade certa vez que se dizia apolítica. Bem longe daqui, nem me lembro mais exatamente seu lugar no mapa. Talvez nem no mapa estivesse, essa cidade, pois não fazia parte de nada relacionado à política. Era pequena, quieta. As portas ainda de madeira, atávicas. Todo mundo vivia um estado de semi-embriaguez deliquente, quero dizer, havia pouca lei, ninguém fazia muita questão de escolher a polícia. Mas tudo bem, haviam poucos ladrões. Grandes ladrões não sobrevivem sem política.

O comércio era assim do jeito que o comércio é no interior: uma venda a fazer seu quase-escambo com o pouco de moeda circulante, cobrando dos cidadãos (podemos assim chamá-los?) quase o preço escravizante das antigas fazendas de café. Não que isso fosse um problema muito sério, tudo era antigo por ali. Até mesmo as mentes. Mas talvez justamente por ter esse ar de pacatez, o lugarejo era muito tranqüilo. Parado. Morto quase.

As tentativas de incutir algum tipo de política naquela cidade só transformaram o substantivo: política virou politicagem. Coisa de poucos, para poucos. Não que isso fosse muito diferente de qualquer outro lugar, mas ali era quase patológico, fazia parte da rotina, estava sempre lá. Mas apesar da politicagem do lugar (e sua politicalha) estarem sempre por lá, o problema era muito tímido. Não que fosse pequeno, pois era enorme, mas talvez por tão grande e silencioso, passasse despercebido. Quase não se ouvia falar na falta que a política fazia naquele lugar, mas também, isso acontece em quase toda parte.

O povo, (assim é menos político que “cidadão”) quando ouvia os politiquilhos falando, achava muito bonito, quase engraçado até. Mas era uma gente muito ocupada, estranhamente ocupada para uma cidade tão pacata. Viviam atarefados, tensos, e nos momentos de lazer ocupavam os bares e cafés freneticamente: era preciso esquecer os problemas com alguma coisa.

Esquecer. Nisso eles eram bons. Pouco ficava nas mentes daquela gente, tão ocupada com tanta coisa. Esquecer era mais fácil, era necessário até, uma vez que sempre haviam mais e mais coisas a serem feitas, compromissos inadiáveis. Diziam que havia muito ouro por perto da cidade.

Era até lenda naquelas redondezas que os habitantes da cidade um dia seriam todos muito ricos, conseqüência do trabalho árduo que realizavam. As outras vereanças próximas diziam que o trabalho dos vizinhos era complicadíssimo e que somente poucas pessoas moravam naquela cidade porque eram as que davam conta do recado. Mas até os autóctones as vezes se perguntavam o que era exatamente que estavam fazendo.

Nunca soube se a cidade deu certo. Parou de se comunicar, as estradas deterioraram-se (o trabalho dos moradores certamente não envolvia estradas) e os geógrafos logo a esqueceram, parecia estar tão bem sozinha, ilha que era. Mas tudo isso foi num lugar longe, longe daqui.

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