sábado, 28 de agosto de 2010

Escrita

Mozart escreveu a voz de Deus em partitura; Da Vinci pintou o inefável em forma de sorriso; Camus, Goethe, Kafka, Hemingway, Exupéry cada um,a seu jeito, deu forma aos pensamentos que atormentam uma raça inteira. Até Brutus teve seu lugar ao sol:até os assassinos ocupam um panteão próprio de aparições históricas, folclóricas até. A sétima arte produziu imagens e sons capazes de transfigurar os sentimentos e imitar os estados da alma. Com tanta coisa rolando, o que sobrou para nós, aqueles que estão a contemplar todas estas explosões de acontecimentos? Restou talvez a sensação de que tudo já foi feito, e aquele velho conceito colegial de pós-modernismo vem à mente: tudo já aconteceu, qualquer novidade é uma história que já foi contada.

O leitor que me perdoe se eu começar a divagar no assunto da escrita, afinal,foi por isso que (imagino eu) ele se dispôs a perder seu tempo lendo os mirabolantes pensamentos do contista que aqui escreve. Não há muito com o que trabalhar, até mesmo esse bate-papo informal metaescrita-metaleitura já era e, se quem entrou nessa onda foi Machado, o que podemos nós, simples rábulas do ofício, fazer além de sairmos da frente e deixarmos essa possibilidade de lado?

Talvez aqui o leitor venha a opinar em sua própria mente: “mas esse sujeito é muito besta, só pega e escreve alguma coisa legal logo porra, foda-se quem já fez isso!”, onde eu com muito prazer concordaria, não fosse o espírito autocrítico extremado na cabeça do contista, inculcado por anos de questionamento constante e uma criação filha única, mas a gente entra no assunto de família em outra oportunidade (sim, esse é o contista adiando o tema).

Então existe aí uma autocrítica, mas além disso um conceito muito pouco (e mal) explorado na formação colegial do cronista, que é a idéia da crítica literária: o pouco que ouvi falar em crítica literária fermentou uma idéia de homens gordos e suarentos com rostos de cera e colônia barata cheirando a funcionalismo público que escrevem obras inteiras sobre obras inteiras e o aluno é obrigado a aceitar a opinião alheia, mesmo quando se trata de um assunto tão subjetivo como a leitura de um livro.Talvez tenha sido a falta de perguntarem ao contista “você gostou desse livro? Me fala um pouco sobre ele” e aí quem sabe dar um pouco de vazão ao pensamento.

Especulando

Você leitor, nunca sentiu que talvez fosse somente a falta de uma perguntinha besta desse tipo sobre qualquer assunto que tenha te tornado quem é nesse instante? Não necessariamente para a formação de um trauma ou um conceito negativo, mas talvez uma daquelas reviravoltas da vida que vêm em forma de pergunta ou conversa inesperada na fila do banco, na padaria ou em qualquer lugar. Talvez o excesso de mutismo coletivo que vem rolando por aí vem impedindo muita vida de acontecer.

Voltando aos livros,já vimos que conversar com o leitor é velha-guarda (apesar da insistência do contista).Outra coisa que não dá pra fazer sem uma dose de sentimentalismo prolixo é falar do que já aconteceu na vida. Digo isso por vários motivos: primeiro que não deu tempo de acontecer muita coisa da vida do contista afinal 21 anos não é lá tanto assim. Depois,o que aconteceu não foi tão digno de nota assim, digo,todos nós achamos que nossas experiências são as mais intensas, nosso amor o maior do mundo, nossas idéias as mais corretas e nossos sonhos os menos imbecis quando se é novo assim. Se um sujeito vai à guerra, escreve sobre isso; se já foi ou ainda é pobre, escreve isso; se sacou alguma coisa e acha que tem cara de filosofia, escreve isso; mas a maioria de nós simplesmente não sacou nada, não foi à guerra e daqueles que são pobres, poucos tiveram a oportunidade de educação para escrever algo.

Agora fugindo um pouco do assunto profundo do parágrafo anterior, um motivo pessoal do contista (e até meio besta pra ser sincero) pra não escrever tanto quando gostaria é o computador (o leitor foi avisado da reviravolta de assunto): é um porre escrever teclando nessa porcaria minúscula chamada laptop. Como alguém consegue trabalhar numa coisa dessas? Sempre que penso em laptop me vem à cabeça pessoas que trabalham horas num cubículo e acumulam tantas coisas que são obrigadas a comprar um destes pedacinhos de plástico e saírem por aí digitando escravizadas. Mas também existem as pessoas que usam para estudo, faculdade, pesquisa, aí até que faz sentido. Ah e as pessoas como o cronista, enjoadas o suficiente para reclamarem sobre o que ninguém mais pára pra pensar e imbecis o suficiente para continuar fazendo a mesma coisa.

Bom, deu pra sacar que não dá pra escrever muita coisa além do que já foi. O leitor pode reclamar que só exploramos duas facetas do que é escrever, e com razão, mas as outras coisas sobre as quais nos inclinamos a escrever são todas derivadas do que já discutimos e ruminamos. Sendo assim o cronista conclui o texto dizendo que, quando não há muito sobre o que escrever, escreva sobre não ter o que escrever. Funcionou com você, leitor que veio até aqui nessa mistura de desabafo com falta de assunto e um pouco de reflexão.

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